O Jornal da Tarde, do grupo Estadão de São Paulo, publicou no último dia 27/08/2010 uma reportagem
do jornalista Pedro Antunes sobre os novos talentos da literatura fantástica brasileira e
eu estou lá . Vale ressaltar que meu livro foi lançado pela Solisluna.
"PEDRO ANTUNES
Enquanto é inegável o sucesso dos livros de fantasia estrangeiros – leia-se ‘Harry Potter’, ‘Crepúsculo’ e ‘O Senhor dos Anéis’, além de outros genéricos –, surgem por aqui autores de várias idades, que resolveram transitar pela mesma seara, mas com foco em personagens diferentes. São fadas, anjos, entidades do candomblé e até o curupira.
Quando criança, o hoje ilustrador Walter Tierno, 38 anos, adorava ler as revistas em quadrinhos de ‘Conan, o Bárbaro’, um guerreio que vagava lutando contra feiticeiros, monstros, vampiros, demônios e lobisomens, criado por Robert Howard.
Em 2000, ele começou a fazer o seu próprio gibi. “Foram quatro anos desenhando e escrevendo. Consegui até colocar a primeira edição nas bancas”, conta. “Mas foi um fracasso total. Fiz burrada”. Ele mandou imprimir 2 mil exemplares, mas vendeu apenas 200. “A condução da história não foi boa”, afirma.
Há três anos, ele teve outra ideia. Dessa vez, um livro. “Me inspirei em ‘O Senhor dos Anéis’, mas não queria usar a cultura celta. Queria uma coisa mais local, com a qual as pessoas pudessem se identificar”. Assim, nasceu ‘Cira e o Velho’. A personagem-título é filha de Cobra Norato, figura folclórica do Pará. Ela vive à caça do bandeirante Domingos Jorge Velho (o Velho do título do livro), que matou sua mãe a deixou para morrer.
A história se passa num Brasil em desbravamento, contemporâneo a Zumbi dos Palmares. “Como ponto de partida, passei a estudar toda a história brasileira, procurando o melhor momento para situar a Cira”, explica o autor. Personagens do nosso folclore foram inseridos, como mboitatá e curupira. E o saci? “Não queria queimar cartucho logo de cara”, conta ele, que pretende fazer uma sequência do livro.
Tierno é formado em jornalismo, daí sua facilidade em escrever. Mas isso não é necessariamente uma regra. Com quatro livros de literatura fantástica publicados, Nelson Magrini, de 55 anos, é formado em engenharia mecânica. Tem dois hobbies um tanto distintos: a literatura e a física. Em 2004, publicou seu primeiro livro, ‘Anjo: A Face do Mal’. “Mas já era o terceiro que tinha escrito”, explica. Com uma história que mistura anjos, demônios e entidades afro-brasileiras, ele narra as aventuras de Lúcifer, um anjo caído. A primeira edição, com 1.500 cópias, já está esgotada. “Em setembro, vai sair uma nova impressão, revisada”, avisa.
Autores novos, esses sim, muito inspirados no sucesso da série de ‘Harry Potter’, também ingressam no mundo da fantasia. A estudante de jornalismo Carolina Munhóz, de 21 anos, e o soteropolitano Eric A. A. Oliveira, de 16, são representantes dessa nova geração. Nascida em São José do Rio Preto, mas moradora de Campinas, Carolina publicou ‘A Fada’ em 2009, após investir R$ 7,5 mil do próprio bolso.
“Recebi muitas respostas já preparadas pelas editoras, elogiando o livro, mas dizendo que não seria possível investir nele naquele momento”, diz. A obra fala de uma menina que, aos 18 anos, descobre ser uma fada. “Aproveitei essa figura mágica que pouco aparece na literatura. A mais famosa é a Sininho, da história do Peter Pan”. Hoje, a jovem passa de três a quatro horas por dia respondendo a e-mails e mensagens de leitores no Facebook, Twitter e Orkut.
Cursando o primeiro ano do Ensino Médio, em meio a uma geração “informatizada”, Eric mantém o costume de escrever suas histórias com papel e caneta. Desde os 11, ele cria a trilogia que conta a saga de Carlos Looendvog, um menino que descobre ser de uma linhagem de caçadores de dragões. O primeiro livro, ‘O Dragão do Ventre de Ouro’, teve lançamento na última Bienal do Livro, em São Paulo. O escritor mirim ainda não sabe se seguirá carreira, mas têm outros livros na cabeça. Já é uma mostra de que nem só de vampiros e bruxos sobrevive a literatura fantástica no Brasil.
Trecho de ‘Anjo: A Face do Mal’, de Nelson Magrini:
Mário deu um passo à frente. A neblina tocou-lhe os pés. Deu mais um passo e depois outro. A neblina elevou-se até a altura dos joelhos. Ele não compreendia como ela podia se elevar, contrariando a vontade do vento, mas isso também não importava. Aquilo só podia ser mais um sinal de sorte.
A luz o envolveu. Mário esticou os braços e tocou a luz. A luz tocou Mário. Ele sentiu a consciência desmanchar, como se perdesse a própria identidade, a própria individualidade. Ele se sentiu amplo, sem os limites do corpo, calmo e tranquilo, como se estivesse sendo abençoado. Procurou o anjo; sabia que ele estava lá, bem no meio da luz. Deu mais um passo. Primeiro, viu o brilho; depois, garras e dentes.
Trecho do livro ‘A Fada’, de Carolina Munhóz:
Desenhada no papel, estava eu, sentada na beira da fonte da Praça Trafalgar, olhando para o horizonte, rodeada de luz. E por aquele desenho eu entendi o comentário de me parecer com um anjo. Toda a harmonia do tempo criara uma paisagem que realmente parecia angelical.
No cantinho do desenho havia um nome, que deduzi ser do menino.
− É lindo! Obrigada, Patrick…
− Philip Windsor! – ele complementou.
Ficamos mais alguns minutos em silêncio, cada um observando o seu desenho.
− Não quer saber o meu nome? – perguntei.
− Claro! Gostaria até de anotá-lo no desenho − disse ele sorrindo – Não é todo dia que podemos conhecer um anjo!
Eu ri, ele ainda achava que eu era um anjo. Talvez eu pudesse até significar um anjo da guarda para ele… Foi quando me ocorreu que poderia ser sua madrinha, e fiquei feliz com a idéia.
− Mel! – disse. − Na verdade é Melanie Aine das Fadas, mas gosto de Mel.
− Muito bonito, combina com você! – nós dois sorrimos. – Das fadas…Você realmente parece uma fada, acho que confundi com anjos.
− Você acredita em fadas? – perguntei receosa.
− Nunca vi, mas se dizem que existem… Devem existir. Assim como os Anjos e Deus, eu nunca os vi, mas acredito na existência; sinto suas presenças.
A teoria dele era muito convincente.
− Gostaria de ver uma fada – disse ele quando voltou a falar.
− Por quê?
− Porque elas devem ser lindas! Assim como você, Mel!
Fiquei pensando na ironia, ele querer ver uma fada e ter uma conversa sobre elas, justamente comigo. Certas vezes, o mundo nos coloca em situações de risco para que cresçamos e aprendamos…
Trecho de ‘Cira e o Velho’, de Walter Tierno:
Domingos apontou a faca para o pescoço do caraíba. O índio fi tou a lâmina. Estalou a língua e suspirou, revirando os olhos. Já estava cansado do brilho indecente daquela lâmina. Amaldiçoava o sertanista em seus pensamentos, mas não os verbalizaria jamais. Temia aquele homem.
— A princesa Caninana quer que vosmicê destrua a semente de Norato… Guarde a arma, sim?
Domingos ignorou o pedido choroso do caraíba.
— Restam dois dos herdeiros de Norato — continuou o índio. — Um é o mais velho de todos e o mais forte. É um
guerreiro poderoso que vive em uma maloca sobre a areia, beirando o grande mar. Tabatinga é seu nome. A outra é a
caçula. Cira é seu nome. É fi lha da última bruxa, conhecida entre os tupis como Guaracy. As duas vivem escondidas no alto da serra, onde as árvores ainda respondem a quem souber falar com elas.
Trecho de ‘O Dragão do Ventre de Ouro’, de Eric A. A. Oliveira:
Carlos era a única criança. Tinha doze anos de idade e uma vida muito parada. Para ele, aquele mês de novembro estava sendo realmente um tédio. Mas não iria durar muito tempo e sua mente parecia confirmar.
Ele nem sabia que sua intuição estava correta. E esperou pelo fim daquele mês, que para ele se tornou abominável, até que o último dia de aula passou.
Enquanto voltava para casa sem ter ideia do que lhe esperava, o transporte escolar se atrasou. A noite estava fria e tenebrosa. Todos os moradores já dormiam quando o filho dos Looendvogs entrou no Derry e um barulho se ergueu no ar, gelou o coração dele e o deixou profundamente assustado.
Tudo parecia tenebroso, mas ficou pior: um vulto negro e apavorante tomou forma através da escuridão. Era um cão gigante, de cento e vinte centímetros de altura e três metros de comprimento. Tinha uma testa larga e vários músculos que desciam em profusão sobre seus pelos castanhos. Parecia um enorme pitbul.
O animal olhou com raiva para Carlos. Seus olhos eram alaranjados e brilhantes. Vendo o medo do garoto, latiu em um tom apavorante que o fez desmaiar.
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